A capoeira joga com a dureza da vida

115 A CAPOEIRA JOGA COM A DUREZA DA VIDA tacional e uma reformulação moral. Uma delas era o Areal da Baronesa, famoso por ser um local de emboscadas. Era habitado, em sua maioria, por negros que a alforria ‘jogou no meio da rua” (D’ÁVILA, 1998, p. 27). Foi possível perceber o orgulho que Cássio Tambor revelava ao afirmar sua religiosidade e o local onde mora e pratica os cultos. “Viamão já teve o maior número de terreiras, dizem que hoje é Alvorada”, diz ele. E prossegue: “Aí um Preto Velho me pediu que eu fizesse um banquinho de um tronco que havia ali pertinho da gente. No outro ano ele pediu que eu fizesse uma bengala de um galho que havia perto e eu fui fazendo. Aí nessas aí, meu velho, um dia ele me pediu um tambor”. Nesse momento, Cássio Tambor imita o Preto Velho: “Pega um tronco desses aí e faz um tambor pra nós, meu filho”. E complementa: “E eu fiz um tambor pequenininho. Eu tinha 16 anos e em um ano fiz três tambores para a terreira. Em pouco tempo já havia construído mais de dez tambores e começou a rolar atritos com os vizinhos evangélicos”. Muniz Sodré, em Capoeira e Identidade, aborda a importância simbólica como essa interação entre a entidade Preto Velho e Cássio Tambor. Isso influenciou e resultou, com certeza, na escolha de Cássio Tambor em seguir sua trajetória enquanto artesão: Fatos dessa natureza são importantes para a compreensão do ethos cultural afro-brasileiro, porque demonstram que os orixás, os voduns ou os inquíces não são entidades apenas religiosas, mas principalmente suportes simbólicos – isto é, condutores de trocas sociais, assim como de ‘textos’ éticos – para a continuidade de um grupo determinado. Zelar por um símbolo, ou seja, cultuá-lo nos termos da tradição, implica aderir a um sistema de pensamento, uma ‘filosofia’, capaz de responder às questões essenciais sobre o sentido da existência do grupo (SODRÉ, 1996).

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