103 A CAPOEIRA JOGA COM A DUREZA DA VIDA a bater nos colegas. Mandaram para psicóloga. Ele em casa é um amor. Na escola ele fica transformado. Aí me falaram que é porque sou muito rígida com ele. Dizem que é porque sou muito rígida, aí, quando ele consegue se livrar de mim, aí ele se solta. A capoeira ajudou a melhorar o comportamento dele em casa e na escola.30 Essa interferência positiva no processo educativo da criança quilombola, que vem de um histórico de comportamentos considerados rebeldes e de relações de autoridades desacreditadas, nos convida a refletir junto ao trabalho de Nilma Lino Gomes: “Essa relação ambígua estabelecida pelo Movimento Negro com a educação, a escola, o conhecimento científico e os saberes produzidos pela comunidade negra e pelo próprio movimento requer uma reflexão mais profunda” (GOMES, 2017, p.53). Ao aprofundar a reflexão acerca dos saberes produzidos pela comunidade negra, relacionando-os à educação escolar e ao conhecimento científico, sinto-me inclinado a pensar nas transformações dentro de um, relativamente, curto processo histórico, desde a proibição da prática da capoeira até hoje, no cotidiano dessas famílias que compartilharam suas experiências. Ao mesmo tempo em que busquei focar a capoeira no fortalecimento quilombola, considerei importante ilustrar a inovação de suas práticas, como no caso da capoeira jogada pelas redes cibernéticas. De fato, a capoeira extrapola a vivência em espaços de roda e treino, sendo aplicada em outros espaços e circunstâncias da vida, como no cotidiano da rede de mães quilombolas que se conectam de forma terapêutica com a musicalidade da capoeira, vivenciando o apoio no crescimento de seus filhos. Amultidisciplinaridade que se torna visível pelo ativismo comunitário e a musicalidade também serão apresentadas no próximo capítulo, onde demonstraremos que a capoeira, definitivamente, não se esgota em uma localidade e no que ela provoca em lugares específicos. Entender a capoeira é também entender outras conexões feitas pelos próprios capoeiristas. 30 Entrevista gravada com Vere.
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