A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

223 COMENTÁRIO BENEFÍCIOS E LIMITES DA SEGUNDA ESCRAVIDÃO COMO MÉTODO PARA UMA RAZÃO DIALÉTICA Rodrigo Goyena Soares Reduzido a seu primeiro fundamento, o conceito de segunda escravidão, amplamente definido nas páginas que precedem e sucedem este comentário, emerge de uma aparente contradição entre o desenvolvimento do capitalismo industrial e o alargamento coetâneo da escravidão afro-americana em escala até então inédita. Dale Tomich, que formulou o conceito, sugere a resolução do paradoxo por intermédio de uma abordagem que, embora crítica, apadrinha a perspectiva do sistema- -mundo para vislumbrar mais complementariedade do que oposição nas relações entre trabalho cativo e assalariado. Desigualmente dispersas no espaço, as diferentes formas de emprego e reprodução de mão de obra, sugere Tomich, estiveram temporalmente combinadas, uma servindo à constituição da outra em um processo amparado pela celeridade da circulação de capital. Mais implicitamente, a aparência da contradição dispõe-se pela substituição de um processo histórico em proveito de uma suposta essência atávica – para retomar o termo de Carlos Leonardo Kelmer Mathias – que o caracterizaria: se o capitalismo é a acumulação competitiva de capital, motivada pela incansável maximização do lucro por meio da exploração do trabalho assalariado, a escravidão seria externa e contrária ao desenvolvimento do modo capitalista de produção. Na formulação de Tomich, de maneira oposta, não é a essência do capitalismo – e tampouco a do trabalho cativo – o que perfaz o conceito de segunda escravidão, mas a evolução histórica de uma totalidade singular que conferiu qualidade capitalista à escravidão e atributo escravista ao capitalismo. Se levada a novo grau de abstração, a proposta de Tomich distancia-se sobremaneira de uma razão analítica cuja expressão preconiza a regressão de um todo constituído, no intuito de lhe dar fundamento, às partes constitutivas, que, malgrado suas associações, guardam força de determinação hierárquica diferente na formação essencial do todo.

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