A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica

A escravidão brasileira do século XIX, em sua época, foi vista como um legado colonial. Para seus opositores, tratava-se de um entrave a ser superado para a modernização do país; para os que dela viviam e extraíam seus lucros, um mal necessário que, em algum momento, viria a ser gradativamente eliminado no futuro. Essa visão da escravidão oitocentista como herança colonial, em que pesem as inúmeras ressalvas e críticas às concepções da História como um processo evolutivo, ou talvez até por conta delas, tornou-se um lugar comum na historiografia subsequente e mesmo atual. O conjunto de ensaios que compõem esse livro visa problematizar esse aparente consenso. O ponto de partida é a constatação de que a escravidão afro-americana no Brasil, assim como no Sul dos Estados Unidos e em Cuba, não só se manteve, mas expandiu-se e adquiriu potência e dimensão inusitadas nos séculos anteriores. Nas palavras de Dale Tomich, que prefacia a obra, ela se constituiu em uma verdadeira segunda escravidão que, longe de ser uma instituição do antigo regime ou do antigo sistema colonial, pressupôs o processo de construção de Estados nacionais e de expansão internacional do mercado capitalista, ao mesmo tempo em que foi uma de suas vertentes constitutivas. Do ponto de vista econômico, esse processo levou à maior procura por novas matérias-primas, como o algodão, e mercadorias tropicais como o café e o açúcar, produtos de consumo de massa incorporados à dieta básica dos trabalhadores e das classes médias europeias e norte-americanas. Do ponto de vista político, a Era da Revoluções abriu um quadro internacional de contestações à escravidão afro-americana, especialmente após a Revolução Haitiana, a primeira e única a pôr fim ao regime servil por obra dos próprios escravos. Nessas condições, a permanência e expansão da escravidão dependeram decisivamente da proteção de Estados nacionais, integralmente escravistas, como o Império do Brasil e os Estados Confederados da América, em sua breve e belicosa existência, ou que defendiam parcialmente sua manutenção, como os Estados Unidos, até 1860, e o Império espanhol. A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica trata a temática da segunda escravidão como uma série de questões em aberto. A primeira parte do livro traz um debate mais abrangente sobre as articulações entre a segunda escravidão e o capitalismo histórico. A segunda discute a segunda escravidão e a diversidade regional da economia brasileira no século XIX. A terceira considera a pertinência do uso do conceito para o estudo da economia colonial tardia na América portuguesa. A última parte aborda a questão teórica e metodológica da relação entre a perspectiva mais geral e totalizante da segunda escravidão, a agência e a micro-história. Esses temas são abordados por historiadores com visões distintas sobre o conceito de segunda escravidão, em seguida comentadas por debatedores, alguns dos quais críticos a essa concepção.

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